campanha
Restaurante Irmã Zoé

A prisão em segunda instância e os riscos à democracia

João Gabriel Prates*

Yuri Rocha**

 

Não é novidade que o Brasil passa por uma instabilidade política, institucional e econômica. Todavia, nos últimos dias, o noticiário foi recheado de análises jurídicas quanto à possibilidade de execução da pena após o julgamento em 2ª instância.

Tecnicamente, diz-se que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2016, pela possibilidade da execução da pena após o exaurimento, depois de finalizado o julgamento nas instâncias chamadas “ordinárias”. O que, a princípio, pode parecer uma vitória da “luta” contra a corrupção, como alguns disseram, na verdade representa elevado risco à ordem democrática nacional.

De início, precisamos nos atentar para o fato de que o STF tem se manifestado, por vezes, de forma vanguardista, alterando entendimentos passados e ampliando os direitos do cidadão. A nosso ver, esse seria um ativismo judicial “aceitável”.

Entretanto, na questão que ora trato, o que se tem é uma literal revogação do texto legal, por interpretação dissonante do que desejam tanto a Constituição quanto o Código de Processo Penal. Alterar a hermenêutica para restringir a liberdade humana não parece ser o melhor caminho. Vejamos.

O art. 5º, inciso LVII da Constituição diz que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.  Em complemento, o art. 283 do Código de Processo Penal é claro ao indicar: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Aqui já se percebe que, desde a primeira leitura, é possível concluir pela necessidade de se aguardar o término do processo para o início da execução da pena.

Mas é importante ressaltar que já há, na legislação, a previsão de hipóteses em que a prisão antes de finalizado o processo seja permitida. É o caso, por exemplo, das agora famosas prisões preventivas, que devem ser fundamentadas com base nos requisitos que o CPP impõe.

Assim, a conclusão é de que é uma falácia dizer que a prisão somente após o trânsito em julgado favorece a impunidade e “deixa o acusado solto”. Aqui, duas observações: a lei penal não foi criada para “prender” ninguém. Na verdade, a história demonstrou que, na verdade, é possível estabelecer regras para evitar abusos e punir as pessoas na exata medida dos seus atos, afastando o caráter de “vingança” da elaboração do texto legal. Depois, é fundamental entender que, caso algum juiz considere que as “conseqüências” da lei não são as melhores, que seria preciso modificar o que ali está escrito, não é o julgamento de uma ação penal (e seus recursos) a seara correta para discutir tais circunstâncias.

A separação dos poderes é uma conquista civilizatória, de modo a dividir as responsabilidades dentro do Estado, de modo a aperfeiçoar a organização do poder. Mudança de lei se dá no âmbito do legislativo. Aos juízes é dado respeitar o texto legal, interpretando-o em prol da liberdade e das garantias fundamentais, como manda a Constituição de 1988. Romper este pacto representa elevada ameaça à democracia brasileira.

 

*Mestre em Direito. Procurador do SAMU/CISNORJE. Advogado.

**Advogado. Pós-Graduando em Direito e Processo do Trabalho, com ênfase na Reforma Trabalhista e na Docência em Ensino Superior.

 

 

 

Compartilhe :