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Advogado fala sobre as conseqüências da greve dos caminhoneiros e da política econômica da União no país

TEÓFILO OTONI – Desde que eclodiu a greve dos caminhoneiros em todo o país, uma série de situações vieram a tona a população brasileira, especialmente em relação aos rumos econômicos ditados pelo presidente Michel Temer ao país. Para entender melhor essa dinâmica, nossa reportagem conversou com o advogado Gustavo de Castro, sócio do escritório Saboya de Castro & Cimini, que também é nosso colunista; ele nos recebeu nesta última sexta feira para uma conversa e fez uma análise jurídico social do tema e uma exposição de como poderá estar o país nos próximos meses.

“Primeiramente, até mesmo para fazer justiça à esse consumidor comum, precisamos retornar e aperfeiçoar a política de preços anterior. Devolver não à Petrobras, mas ao país as rédeas de um mercado que ele pode controlar. Depois, precisamos retornar com os investimentos no país, revogando a Emenda Constitucional – 95, aquela que congelou em vinte anos os investimentos em saúde e educação”

 

DIÁRIO – O que ocorreu com o país nos últimos dias, em especial com a greve dos caminhoneiros?

 

GUSTAVO – Creio que o que ocorreu fora um efeito colateral da ruptura brusca e inconsequente da dinâmica de governo que tínhamos com a presidente Dilma. Falando especificamente da questão dos combustíveis, o Brasil sempre, em especial com a redemocratização, usou seu monopólio da exploração e distribuição do petróleo e seus derivados, para fazer o controle de preços do mercado. Usávamos uma dinâmica própria, que com uma ou outra deficiência, dava certa autonomia ao país. Essa dinâmica, não foi exclusividade dos governos do PT, de certa forma FHC e Itamar, também a seguiram. Com o impeachment da Dilma, uma das primeiras medidas de Temer, foi indexar os preços de nossos combustíveis a flutuação do dólar no mercado internacional. Historicamente, isso na América Latina nunca deu certo. Dolarizar a economia, ou parte dela, foi a ruína de países como Argentina e Equador.

 

E como funciona essa indexação?

 

Na cotação de hoje, em que estamos gravando essa entrevista, o litro do petróleo está cotado à 1 dólar e dez centavos. Ou seja, o cálculo agora se inicia com o preço do dólar, mais os custos de refino do petróleo, os impostos federais, estaduais e em alguns casos até municipais, frete e lucro dos postos. Toda essa dinâmica é paga pelo consumidor, que antes era subsidiado pela política da Petrobras. Desde que o Temer assumiu, o dólar jamais esteve abaixo de R$ 3,50, ou seja, com essa política, jamais teremos o litro da gasolina à menos que R$ 4,00. Nesse sentido, também sou obrigado a dizer que importa pouco o preço da gasolina. O problema é que o custo de vida do país, como um todo tem aumentado muito, ao passo que nosso poder de compra tem diminuído. O cidadão brasileiro, comum, que usa o carro para trabalhar, não consegue acompanhar essa flutuação de preços no combustível.

 

Um dos principais efeitos da greve foi a queda do presidente da Petrobras, Pedro Parente. Estamos mais próximos do ideal pra resolver esse modelo?

Pedro Parente caiu porque, como neo-liberal que é não sabe atuar com oposição. Eles ignoram a existência de uma variável do mercado chamada “povo”. Não basta trocar o nome do mandatário da Petrobras. É preciso uma mudança substancial na gestão da empresa. Já sabemos que não servem os modelos do PT e o do PSDB.

 

Muitos defendem o fim de impostos, uma espécie de estado mínimo como mecanismo de redução dos preços. Auxiliaria em algo?

 

A nossa política tributária original é a de cobrar impostos indiretos sobre a esmagadora maioria dos produtos. O imposto é quase uma instituição dos produtos no Brasil. Difícil conviver sem eles. Daí uma grande contradição que o mercado tenta empurrar ao brasileiro comum: Aplicar uma percepção de que os impostos são o grande problema do país, e que o que vai colocar o país outra vez nos trilhos é o estado mínimo. Ora, se o estado mínimo fosse colocar o Brasil nos trilhos, os preços não teriam chegado onde chegaram. Porque só chegaram neste patamar porque o estado não tem mais o controle sobre os preços, o estado brasileiro hoje… é mínimo.

A greve dos caminhoneiros colaborou para que possamos ter uma ideia desse problema?

 

Primeiramente, não posso deixar de dizer que sou um apoiador de linha de frente de qualquer movimento de classe que vise reivindicar melhores condições de vida, de saúde, educação e trabalho. Greve é um direito e quem diz isso não sou eu, mas a Constituição do Brasil. No entanto, desde o início, eu analisei esta greve com dualidade e desconfiança. Eu explico: em nenhum momento me pareceu que no ambiente da política de preços, os grevistas sabiam o que estava errado nessa atual dinâmica. Isso ficou claro a partir do momento que suas reivindicações passaram a ser públicas e de certa forma foram atendidas. Baixar unicamente o preço do diesel e por apenas 60 dias e extinguir a cobrança do pedágio do eixo suspenso, não são iniciativas que afetam positivamente toda a comunidade de motoristas do país, e, principalmente não mexe em nada com a política de formação de preços dos combustíveis no Brasil. Muito pelo contrário, acho que essa política ganha força, pois depois da paralisação de apenas uma classe, o país simplesmente se tornou um caos e a política combatida pode ter saído dessa história sem um arranhão sequer.

De toda forma ficou muito clara a questão de nossa dependência ao transporte rodoviário.

Ficou. Não há dúvidas de que, criminosamente somos dependentes do modelo mais custoso do ponto de vista econômico e o mais degradante do ponto de vista ambiental. Priorizamos a urbanização rodoviária articulada com a produção automotiva. Alinhamo-nos com as montadoras estrangeiras e criamos a ideologia do carro próprio que com Lula atingiu as classes média e trabalhadora. Nas estradas, a mesma situação; apostamos tudo num único modelo de escoamento de produção, ao passo que nos esquecemos de modernizar nossas vias. Criamos o sistema mais esquizofrênico e contraditório do mundo. Qualquer greve de caminhoneiros, ou petroleiros, não precisando ser nacional, escancara esse problema.

 

Qual seria a solução mais rápida à esses problemas?

 

Primeiramente, até mesmo para fazer justiça à esse consumidor comum, precisamos retornar e aperfeiçoar a política de preços anterior. Devolver não à Petrobras, mas ao país as rédeas de um mercado que ele pode controlar. Depois, precisamos retornar com os investimentos no país, revogando a Emenda Constitucional – 95, aquela que congelou em vinte anos os investimentos em saúde e educação. Precisamos de um novo pacto federativo, com mais espaço de atuação aos municípios, que são os entes públicos mais próximos do cidadão. É urgente um novo modelo de atuação do Ministério Público, mais responsável e menos excêntrico.

 

E o que podemos esperar do Brasil após mais esse trauma?

 

Tempos estranhos nos aguardam. Nosso ambiente é de total incerteza, nos campos, político, econômico e social, além do jurídico. Essas incertezas alimentam a impossibilidade de apontar com precisão todos os desdobramentos causados por essa greve e suas ramificações. Os desdobramentos jurídico e político, são os que mais me tiram o sono. Já estamos à anos sob confusão institucional, onde o judiciário tem arrancado prerrogativas de outros poderes. No campo político-eleitoral, não quero nem pensar na possibilidade de não votar pra presidente esse ano. Só essa incerteza, que não é apenas minha, afasta o Brasil do caminho mais seguro, que é o da democracia.

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