TEÓFILO OTONI – O ator Luiz Gomide, atualmente morando em Belo Horizonte, veio a cidade nesta semana apresentar o espetáculo Hamlet-Máquina, peça reeditada por ele para interpretações em forma de monólogo. Com material próprio e custeado apenas nas locomoções e estadia, Luiz afirma que pratica o que gosta pelo fazer teatral, mas que o país deveria incentivar mais a arte e quem vive dela. Brasileiro com cidadania sueca, onde morou por muitos anos, Gomide exalta no trabalho [com apresentação performática] a necessidade de auto-crítica do ser humano, em uma sociedade em guerra ideológica e perigosamente embrionária do culto à decisões e verdades proto-fascistas. Em T. Otoni, ele foi a estrela do evento de abertura do 2º semestre letivo da UFVJM, na noite da última terça-feira (17). Depois, realizou outra aparição, desta vez no Espaço Cultural In-Cena, ambas gratuitas e abertas ao público.
DIÁRIO – Há quanto tempo vem trabalhando a peça Hamlet-Máquiná?
GOMIDE – Eu conheço o texto Hamlet-Máquina há 30 anos. Trabalho ele há pelos menos 25 a 23 anos. Decidi montar o espetáculo a mais ou menos uns 5 anos.
Quem é Luiz Gomide? Quando começou na arte e há quanto tempo atua?
Luiz Gomide tem formação em dança, primeiramente. Tenho 58 anos, comecei a dançar com 20 anos de idade e serei bailarino até a morte. Meu herói na dança dançou até os 100 anos de idade. Da dança, a minha arte se expandiu. Ela encampou o teatro. Foi quando comecei a ensinar conscientização e expressão corporal para alunos do teatro. Depois fui convidado para atuar, dirigir e fazer assistência de direção. Depois, fazendo teatro, encampei também o canto erudito e popular. Me apresentei com o coral da Universidade Federal de Minas Gerais por seis anos, com um repertório finíssimo, erudito. Minha cultura musical é muito grande. Com o tempo fui juntando todas as minhas possibilidades artísticas. Sou diretor teatral, diretor de dança, coreógrafo, professor de dança, de conscientização e expressão corporal, sou professor de interpretação cênica. Dentro das artes cênicas eu transito com uma grande liberdade.
Suas apresentações acontecem mais em Belo Horizonte, ou atingem outras regiões?
É preciso deixar claro que eu ainda não posso apresentar a peça formalmente em um teatro, onde as pessoas pagariam ingresso para assistir, porque os direitos autorais ainda não estão pagos. São U$ 5 mil dólares para os herdeiros do autor na Alemanha, e mais R$ 5 mil reais para os herdeiros do Fernando Peixoto, do Rio Grande do Sul, que foi quem traduziu para o português. Eu não tenho o direito de representar em um teatro publicamente a peça. Fiquei muito tempo parado com esse trabalho. Durante seis anos eu tento captar os recursos, aprovados pelas leis, e não consigo nenhum tostão. Aí, de repente, pensei comigo que eu não posso deixar essa obra [que já está pronta], embutida, engavetada e mofando nas gavetas, nos armários. Decidi que ninguém pode me impedir de apresentar desde que eu siga as regras. Eu não apresento em teatros normalmente, mas eu estou disponível para apresentar em eventos.
O senhor arrecada ou custeia suas apresentações por amor?
Até hoje fiz o Hamlet-Máquina sem receber um tostão. Todo o material utilizado na peça é meu, com materiais doados. A vinda para cá, por exemplo, foi custeada. Quando me apresentei na Faculdade de Ciências Médicas, em Belo Horizonte, para o curso de Psicologia, realizei três apresentações. Estavam presentes alunos, corpo docente, coordenação. Não gastei um tostão, mesmo porque eu nem tenho um tostão para gastar. Preciso transportar o cenário, o som, os objetos… É tudo pequenininho, mas eu também não posso levar no lombo nem a pé, carregando tudo na minha carcaça. E também não tenho dinheiro para custear o meu próprio transporte. Se eu pudesse fazer absolutamente de graça, eu faria por apreço ao fazer teatral. Sei que não é saudável isso, porque o artista vive da própria arte. Então, é bom que o público possa ir ao teatro, pagar pelo próprio ingresso e entrar. O que não impede, se ele não tiver dinheiro para pagar o ingresso, de entrar e assistir do mesmo jeito a peça. A gente precisa incentivar as artes dessa maneira. Propiciar recursos para que ela aconteça. Por que estou sem recursos nos direitos autorais, ou seja, porque que eu estou cerceado até hoje? É porque o mercado não está estruturado de maneira adequada. É um trabalho belo, um trabalho essencial, um trabalho muito importante e extremamente condizente com a atual cultura na qual vivemos. Não faz sentido não ter podido pagar os direitos autorais até hoje, o que também não faz sentido ficar sem apresentar por isso. Não posso cobrar ingresso, mas eu não posso deixar de apresentar também.
Em Teófilo Otoni, recentemente teve um caso de um humorista de stand up que teve um incidente com o público, devido a uma fala dele, que parte dos presentes não concordaram, ocorrendo um bate boca no meio da peça entre as partes. Em suas duas apresentações, o que você tem a dizer do público em Teófilo Otoni?
Eu tive a sorte de ter um público muito bacana (risos). Um público que viu o trabalho no mais absoluto respeito e no mais absoluto silêncio, e olha que não é um trabalho completamente e facilmente digerível. É um trabalho em que o texto é pesado, um coice no peito do público. E o público de peito aberto recebeu o coice. Ao mesmo tempo fui dando coices com muita responsabilidade. Acho que o moço que teve o problema com o público aqui em Teófilo Otoni, deu azar de ter na sua plateia um público que não é público. O público confundiu o seu papel. Porque o trabalho do artista na cena é sagrado. O público não tem o direito de interferir dessa maneira, a não ser que ele seja convidado pelo artista a interferir.