Muita discussão no seio das várias camadas sociais brasileiras tem surgido, sendo o núcleo da temática em análise, o conceito de carta constitucional visto em contra-ponto ao constitucionalismo pós-contemporâneo brasileiro e o consequente surgimento de novos heróis no cotidiano do país.
Objetivamente, pensamos que há certa contradição nessa corrente pós-contemporânea: diariamente, sem a anterioridade do processo legislativo natural às democracias, temos observado distorções interpretativas – criando aberrações jurídicas travestidas de mutações constitucionais. Temos assistido restrições a direitos consagrados, como simples acontecimentos diários. E o pior de tudo, temos aplaudido de pé todas essas “loucuras jurídicas”, maximizando no nosso íntimo social que todo corrupto deve ser preso. Mesmo que para isso não se observe o devido processo legal.
A corrupção é detestável, sim! No entanto, sob o pretexto de combatê-la, um Estado não pode mimetizar as táticas que são contrárias ao texto constitucional. Porque, afinal, tem de falar em nome da ordem legal. Um dos papeis do Estado é combater o crime. Obviamente, isso não traduz o cometimento de novos crimes pelo próprio ente público, resguardado pelo aparelho de Estado, como forma de curar a ferida.
Os novos heróis brasileiros criam versões onde não têm. Interpretam leis e normas ao sabor do acaso, desde que o acaso seja vinculado às opiniões da plateia escolhida. Determinam hermenêutica inovadora à Constituição Federal, onde tais inovações não são permitidas, tornando a nossa Lei Maior infestada de insegurança jurídica. E percebam: não estamos escrevendo sobre a possibilidade de prisão após julgamento colegiado, legado ao qual temos parecer favorável, frente o ditado constitucional.
Pensar que alguns representantes de instituições do Estado são os heróis que a nação sempre clamou, súplica, inclusive, anterior à criação republicana do mito Joaquim José da Silva Xavier, é contraditório e ingênuo. Ingênuo porque tais classes já mostraram a que vieram: estão preocupadas com o próprio território. Mesmo que para isso ultrapassem o senso de justiça, de legalidade e de moralidade. É contraditório ao passo que são essas mesmas categorias que se auto protegem. Que tiram direitos dos demais, mas permanecem com seus oásis intocáveis.
São eles também, os mesmos que adulteraram as características do objeto central da tese do “auxílio moradia” – que norteia apenas a possibilidade da ajuda àqueles que não têm residência própria nos locais onde prestam serviço. Hoje o auxílio moradia, que já em seu nascedouro, trata-se de uma imoralidade, é reconhecido, no âmbito jurídico, envergonhando com a utilização de dinheiro público, como verdadeira farra de São Firmino, onde isoladamente cada um se protege correndo; ao espaço que todos, correndo ao mesmo tempo, se auto protegem de um animal assustado e prestes a tombar.
E vejam, a adulteração citada é justamente o objeto central que forma o delito“corrupção” – consulte um dicionário, crime no qual os “valentes heróis” se intitulam como combatentes. Os valores dessa farra chamada de auxílio são maiores que os valores relatados como corrupção oficial. Verdadeiramente estamos vivenciando tempos difíceis. Época onde muitos dos nossos heróis, que em alguns casos chegam a utilizar-se de capas negras e vestimentas especiais, não se comparam ao Batman, em suas piores encenações, na década de 1960. Essas castas não apresentam ou têm qualquer sentimento de responsabilidade com o país, mas tão somente ao próprio umbigo.
Apenas para lembrar, um dos grandes heróis dessa nova classe de titãs, basta uma reflexão simplória, recordando um ministro, que, como relator do chamado“mensalão”, ao perceber a atuação do mandatário do país nas falcatruas (aquele que lhe indicou à Corte máxima do judiciário), se esquivou da responsabilidade – juntamente com representantes de outras classes. Simplesmente não viu nada.
Foi essa ilusão de ótica que permitiu a continuidade da corrupção desenfreada. Foi essa noção de justiça seletiva que, ainda naquele tempo, não permitiu a cura da ferida corruptiva. Foi justamente isso que permitiu a consolidação do maior evento de corrupção da história mundial, e que tantos prejuízos já trouxeram à sociedade do nosso país.
EDER MACHADO SILVA é bacharel em Direito e em Filosofia; Especialista em Direito Militar e em Direito Processual Civil; Mestre em Direito; Doutorando em Direito Constitucional Comparado, pelo Centro Alemão de Gerenciamento de Projetos Jurídicos (ZRP) – em Leipzig na Alemanha. Membro Efetivo-Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa – da PMMG