Os Maxakali, o álcool e a migração entre as aldeias e as cidades: uma visão de entendimento

Teófilo Otoni e diversas outras cidades do Vale do Mucuri convivem diariamente com a presença visível dos povos Maxakali, uma etnia indígena de raízes seculares. Mas por trás da aparente simplicidade de indígenas perambulando pelas ruas, especialmente nos arredores da rodoviária de Teófilo Otoni, existe uma complexa teia de questões sociais, culturais e estruturais que merecem ser compreendidas — e respeitadas. A presença dos Maxakali em várias cidades da região se intensificou após um episódio marcante: um conflito interno na tradicional Aldeia Água Boa, localizada no município de Santa Helena de Minas. A desavença entre troncos familiares da etnia resultou na divisão do grupo em novas aldeias, espalhadas pelo território. Hoje, há pelo menos duas aldeias em Teófilo Otoni, uma em Bertópolis e outra em Ladainha, além da principal, em Santa Helena. Como parte de sua cultura ancestral, os Maxakali são tradicionalmente nômades. Por isso, é comum vê-los circulando entre cidades, em movimento com suas famílias. Muitas vezes permanecem dias ou semanas nas áreas urbanas e depois retornam às aldeias. Trata-se de um modo de vida, e não de desorganização ou abandono — como infelizmente muitos ainda interpretam.
Importante lembrar que são os povos originários desta terra. Sua presença antecede em séculos a formação das cidades e do próprio estado brasileiro. O direito de ir e vir, assegurado pela Constituição, também se aplica a eles — talvez, com mais razão do que a qualquer outro povo. Contudo, a realidade desses deslocamentos é marcada por vulnerabilidade social e, infelizmente, por choques culturais que deixaram cicatrizes. O contato histórico com o “homem branco” trouxe consigo não apenas doenças e marginalização, mas também hábitos que não pertenciam à cultura indígena, como o consumo de bebidas alcoólicas. Muitos Maxakali, hoje, enfrentam problemas com alcoolismo, diretamente ligados a esse contato forçado com a sociedade não indígena, sem que tenham recebido a devida proteção, cuidado e orientação. Uma questão agravante é a ausência de uma sede local da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em Teófilo Otoni. A unidade mais próxima está em Governador Valadares, dificultando um acompanhamento constante, humanizado e culturalmente adequado dessa população. Atualmente, apenas a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) atua de forma limitada no apoio aos povos indígenas na cidade, o que não é suficiente para lidar com a complexidade das demandas.
É importante destacar que os Maxakali recebem benefícios sociais do Governo Federal, como previsto pela legislação, para garantir mínimas condições de sobrevivência e dignidade. Ainda assim, vivem em situação de profunda desigualdade — muitos sem acesso pleno a serviços de saúde, educação diferenciada, saneamento e oportunidades econômicas que respeitem sua identidade. A cidade de Teófilo Otoni precisa refletir com seriedade: como tratar os verdadeiros donos da terra? A convivência com os Maxakali não deve ser pautada por preconceito ou invisibilização, mas por políticas públicas específicas, pela abertura de espaços de escuta e pelo fortalecimento do trabalho de apoio indigenista. Ter uma sede da Funai no município, por exemplo, poderia ser um divisor de águas. Permitiria ações mais próximas das aldeias locais, apoio aos líderes indígenas, prevenção ao alcoolismo, promoção de renda com respeito às tradições, entre outras medidas necessárias para a construção de uma relação mais justa com esses povos. Neste momento em que tanto se fala sobre reconhecimento histórico e justiça social, olhar com atenção para a realidade Maxakali é mais do que urgente: é um dever e uma dívida moral, histórica e constitucional.
Por Vinícius Rêgo Pessoa
Jornalista – JP 11432/MG
Pós-graduado (Lato Sensu) Gestão de Políticas Sociais (PUC-MG)

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