Uma pergunta aos militares que votam em Bolsonaro: vocês acreditam mesmo que armar a população é a solução?
Primeiro: não venha com o argumento de que “ah, não vai aumentar tanto assim, porque para ter arma precisa ter critérios, não vai ser qualquer um”. Se não fosse para aumentar a quantidade de armas em circulação, não precisaria um candidato propor a revogação do estatuto do desarmamento.
Em segundo lugar, uma constatação de ordem prática: quantas “desinteligências” cada policial atende, todos os dias, em todos os lugares do país? Entre vizinhos, no trânsito e, em especial, entre casais. No trágico cenário de facilitação do porte de armas, as brigas entre casais, fatalmente, resultarão em feminicídios e/ou homicídios. Sem falar da guerra do trânsito.
Além disso, ocorrências policiais em que os envolvidos estão armados são, por óbvio, muito mais arriscadas, oferecendo maior risco aos profissionais de segurança.
Em complemento, um argumento jurídico-político.
No ordenamento jurídico brasileiro, é o Estado que detém a prerrogativa do uso da violência. É dizer: somente o Estado pode restringir a liberdade de alguém (depois de um processo penal de garantias) e, também, somente o Estado pode usar do uso da força para solucionar litígios que não foram resolvidos pelo diálogo (claro, com uso progressivo e proporcional da força, no jargão policial).
E a face mais visível do uso da violência é exatamente a polícia, que é chamada a interferir em algum litígio, exatamente porque tem a possibilidade de usar meios mais graves para conter uma agressão, assegurar a liberdade e/ou tranquilidade de algum(a) cidadã(o), sua casa, sua vida.
Assim, a partir do momento em que pessoas estarão armadas – em razão de eventual revogação do estatuto – e poderão, por si mesmas, utilizar de ameaça e/ou de arma de fogo, qual sentido terá “chamar a polícia”?
Explico.
Em um cenário catastrófico, fico pensando que, em se privatizando a prerrogativa do uso da força (claro, há todas as implicações jurídico-penais sobre isso. Mas digo do ponto de vista prático), a força institucional da polícia vai acabar de reduzindo.
O mesmo “cidadão de bem” que hoje quer o direito de se armar, num futuro não tão distante bradará: “por que vamos aumentar o salário da polícia, se eu posso me defender sozinho?”
É exagerado imaginar isso? Talvez. Mas faz pensar se os policiais não estão embarcando numa pauta suicida, por tudo o que aqui se expôs e mais um pouco.
João Gabriel é advogado, mestre em Direito, professor universitário e procurador do SAMU/CISNORJE