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Quanto ainda devemos ao Rio de Janeiro?

Carlos Sandrini é arquiteto e urbanista
Carlos Sandrini é arquiteto e urbanista

Muito dinheiro público foi investido na Rio 2016. Não só da cidade e do estado do Rio de Janeiro, mas também dos impostos de todos os brasileiros. O dinheiro está trazendo mais benefícios para os cariocas, mas a conta está sendo paga por todos. Isso é bastante justo, pois não podemos esquecer que o Rio de Janeiro foi vítima de um golpe nos anos 1960, praticado pelo governo federal, quando levou os três poderes e toda a máquina pública para Brasília.

Há muitas versões sobre o real motivo de tirar a capital do país do Rio de Janeiro, inclusive a de que seria muito mais fácil fazer política longe de cidadãos politizados. Ajuda a sustentar a tese o fato de Brasília estar afastada dos grandes centros, com um projeto urbano que coloca o poder longe do povo e o povo distante entre si. Com o que acontece na política de hoje, essa tese fica até mais factível, do que a de que era importante levar a capital para uma região no centro de um Brasil a ser desbravado.

Independente das questões estéticas e urbanísticas da atual capital, que maltrata todos seus habitantes em benefício da fotogenia, o certo é que a riqueza ostentada por Brasília foi usurpada do Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro foi capital do Brasil de 1763 até 1960. Neste período, passou de 12 mil habitantes para 3,3 milhões. Durante quase dois séculos, a vocação da cidade foi direcionada para atender às demandas do Brasil. A bela cidade foi aterrada, deformada, inchada e maquiada, tudo para atender às necessidades do país e dos que se instalavam lá para exercer o poder e ocupar os cargos da máquina pública.

Diferente de Brasília, o Rio não era lugar de passagem dos políticos durante três dias da semana ao longo de oito meses do ano. O Rio era desejado como um prêmio extra para o cumprimento do mandato. A cidade foi ganhando a forma desejada pelos que lá chegavam de todas as partes do Brasil. As melhores escolas, melhores hospitais, segurança reforçada, além dos melhores teatros, cassinos, hotéis e bordéis, não estavam lá para atrair turistas, mas para servir e entreter o poder e os que orbitavam em volta dele.

Com a retirada à força da vocação, da riqueza e dos milhares de empregos, a cidade foi entregue aos órfãos do poder. Ficou a população sem um plano de geração de renda para sustentá-la. Não sei se o jeitinho e a capacidade de improvisação do carioca surgiram nesses tempos, ou se já existiam, mas foi a alternativa encontrada por eles. 1960 marcou o início de duas mazelas para o Brasil: a criação de uma capital que levou o poder para longe do povo e o declínio de uma cidade que, além de ser a mais bela do mundo, era culta, politizada, rica e acordou sem poder, sem trabalho e sem projeto de futuro. Apesar disso, o Rio de Janeiro continuou sendo a imagem do Brasil e do brasileiro no exterior, e teve que se reinventar ao longo dos anos.

Nas últimas idas ao Rio de Janeiro, visitei o Porto Maravilha, o Museu do Amanhã e o MAR – Museu de Arte do Rio, andei no VLT, caminhei pelo centro e parei para sonhar na Confeitaria Colombo. Como seria o Brasil e, principalmente, o Rio de Janeiro se não existisse Brasília? Como seria a convivência entre o povo e o poder, com as autoridades morando nos mesmos prédios e frequentando os mesmos lugares que o carioca? Acho que o Brasil seria melhor!

Meu sonho foi interrompido pelo garçom Orlando Duque, que há 64 anos trabalha na Colombo. Ele já atendeu príncipes, presidentes e malfeitores naquelas mesas, atendeu as pessoas que moldaram nossa cultura, economia e política no século XX. Ele testemunhou a glória e o declínio do Rio de Janeiro e agora está otimista com os novos admiradores que a cidade maravilhosa está ganhando. Não sou carioca, mas, desde a cerimônia de abertura da Rio 2016, me vi representado e feliz de estar ajudando a pagar um pouco do que o Brasil deve à esta cidade.

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