Inicio estas mal traçadas linhas com muita tristeza e o coração em prantos. Mais um Policial Militar de Minas Gerais sucumbiu ante a pressão e perseguição nos quartéis.
A questão do suicídio não se restringe à Polícia Militar, apesar da sua maior incidência nesta corporação, mas acomete a todos os servidores da segurança pública, ou seja, policiais e bombeiros militares, policiais civis, agentes penitenciários e socioeducativos. A classe está doente e clama por socorro.
Desta vez foi o Cabo Leandro, pai de família, excelente profissional, atuante e sempre operacional. Trabalhou no GIRO, Tático Móvel e por duas vezes na Força Nacional. Atualmente estava lotado na 14ª Companhia de Polícia Militar na cidade de Araçuaí, após uma transferência arbitrária e perseguidora, sob acusação, até então não provada, que estaria fazendo “bico” para complementar a sua renda.
O sistema opressor da PM acabou com mais uma família. Após essa transferência arbitrária, os filhos do Cabo Leandro, um de 11 (onze) e outro de 02 (dois) anos de idade desenvolveram problemas psicológicos juntamente com o pai. Várias intervenções foram feitas junto aos comandos e representantes de classes para socorrer o militar, ambas em vão. Não são raras as vezes que a PMMG age assim, sob qualquer suspeita que seja de transgressão, mesmo ante qualquer subsídio comprobatório ou sem garantir os direitos constitucionais da ampla defesa, contraditório e presunção da inocência, ela pune e pune com rigor. No caso do Leandro foi através de uma transferência para um local longínquo e que dificultaria seu convívio familiar, há 236 quilômetros de casa e morando em uma república. Foram assim seus últimos dias de vida.
Uma medida extrema e drástica tomada pelo comando da instituição levou mais um dos nossos amigos e indubitavelmente um dos melhores profissionais do Estado de Minas Gerais. Por conseguinte, estes não contentam em aplicar a reprimenda administrativa, mas sim expor toda uma família a sua destruição, definhando dia após dia em face dessas medidas.
O Brasil conta com aproximadamente 425 mil policiais militares. E são altas as taxas de suicídio, bem como de transtornos mentais. Em São Paulo, por exemplo, estado com o maior efetivo policial do país (93.799 agentes), 120 policiais militares cometeram suicídio entre 2012 e 2017. Mais grave: houve crescimento de 73% nas ocorrências, com 20 casos ao longo de 2017 e 51 registros em 2018.
Somente no ano de 2019 em Minas Gerais 38 (trinta e oito) agentes de segurança pública cometeram suicídio. Número que supera, e muito, os oito casos registrados entre 2015 e 2018.
Por exemplo, no último dia 18 de agosto, um policial militar de 28 anos se matou em Belo Horizonte. “Foram nove anos na Polícia Militar e vos digo, caros amigos: ‘cuidem-se’! A polícia é super-estressante e pode ser fatal”, escreveu ele numa carta.
De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, entre janeiro de 2014 e junho de 2018 três PMs foram diagnosticados, por dia, com transtornos mentais. Entre janeiro e agosto de 2018, 2.500 policiais militares foram afastados por transtornos mentais, mais que o dobro dos afastados em todo o ano de 2014 (836).
Os cursos e treinamentos quando não abusivos são extremamente exigentes e psicologicamente angustiantes. Prolonga-se na intimidação e estresse demasiado, quase sempre vividos em completo silêncio e solidão.
Por outro lado, há muitos casos que não são publicizados, e a grande maioria não busca o tratamento psiquiátrico porque vão sofrer chacota no ambiente de trabalho. Serão chamados de covardes, fracos ou muxiba (termo usado nos quartéis) ou os comandantes podem crer que eles estão enrolando para matar serviço, por exemplo.
O assédio moral é rotina nos quartéis. Os policiais estão sobrecarregados pela falta de efetivo, pelo risco de vida e a convivência com pessoas de alta periculosidade, aliados há inúmeras ocorrências complexas. O ambiente de trabalho, na sua grande maioria, e insalubre e faltam condições de trabalho.
As policiais estaduais são mais polícias do que militares. O problema da militarização das polícias dos Estados não está no uso da farda, do uniforme ou mesmo no aparato bélico, e sim na formação. Formação esta que e totalmente rígida, impondo restrições de direitos ao próprio policial, e isso ecoa no tratamento que o profissional dá a sociedade.
O princípio da hierarquia exacerbada presente no militarismo oprime os profissionais dos postos mais baixos e limita sua liberdade de expressão. Um exemplo evidente disso e o código penal militar, arcaico, de 21 de outubro de 1969, o qual não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Preconiza tal ordenamento castrense que o militar que “criticar” publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo, poderá ser preso de dois meses a um ano.
Todos acham que o grande temor é o risco da violência praticada por terceiros, mas na verdade o suicídio está atingido gravemente os policiais e não está sendo discutido e enfrentado de forma global. Pelo contrário, tem se potencializado por atitudes das próprias instituições.
Os quartéis e unidades policiais são ambientes em que não se pode assumir fraquezas. Você é humilhado, e tem que aguentar, porque o bom militar aguenta toda e qualquer violência e acha isso normal. Fazem achar que os policiais foram feitos para isso, mas ninguém foi feito para isso. Quando a PM não reconhece que sua tropa tem problemas, ela está fechando uma panela de pressão vazia, sem água, que vai explodir um dia. E é o que tem acontecido na atualidade.
Nathan Rodrigues – (Cabo Nathan)
Gestor Público, Advogado – Pós-Graduado em Ciências Criminais e Segurança Publica
Foi presidente da APNM – Associação dos Praças do Interior de Minas Gerais e líder das maiores manifestações do interior de minas nos últimos anos