No último dia 06 de junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a suspensão da carteira de motorista (CNH) de um devedor para o pressionar a pagar débito em ação judicial movida por uma escola, mas negou a retenção do seu passaporte, por ter entendido que essa medida era desproporcional e feria seu direito constitucional de ir e vir.
Nesse caso, o STJ entendeu que a suspensão da CNH apenas impede que o devedor se locomover dirigindo um veículo, enquanto que a retenção do seu passaporte configuraria medida mais drástica, que deve ser analisada com mais cautela pelo Poder Judiciário, uma vez que restringiria a possibilidade do devedor locomover-se para diversos países, limitando, assim, seu direito constitucional de ir e vir.
A discussão sobre o cabimento ou não dessas chamadas medidas atípicas, ou seja, medidas não previstas expressamente em lei, mas que atuam sobre a vontade do devedor, para o obrigar a pagar, fazer ou deixar de fazer algo, está inserida nos limites dos poderes-deveres do juiz para assegurar o cumprimento de ordem judicial.
De acordo com o art. 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), o juiz pode determinar todas as medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias” necessárias para assegurar o cumprimento das suas decisões. Como se pode perceber, a lei vigente não define quais seriam especificamente as medidas atípicas, mas apenas faculta sua imposição quando necessárias à realização prática das ordens judiciais, ou seja, à efetividade processual, no jargão jurídico.
Embora a adoção das medidas atípicas seja muitas vezes imprescindível para viabilizar a execução de decisões judiciais, é preciso ter em mente que essas medidas devem ser proporcionais e não ferir direitos constitucionais. Mais do que isso, que devem ser aplicadas de forma subsidiária à tentativa de esgotamento das medidas típicas, ou seja, daquelas medidas previstas expressamente em lei.
Assim, a boa aplicação das medidas atípicas depende necessariamente das circunstâncias e particularidades de cada caso concreto. Em outras palavras, sua aplicação deve ser casuística e baseada na devida ponderação judicial dos seus efeitos para as partes envolvidas no processo.
Daí porque, embora sirvam como parâmetros, as decisões dos tribunais a esse respeito, sobretudo dos tribunais superiores, como a referida no começo deste texto, não devem ser entendidas (e aplicadas) como efetivos precedentes judiciais, a serem seguidos de forma obrigatória e automática. Caso contrário, os valiosos efeitos das medidas atípicas poderão se perder e, assim, ao invés de aumentar, como projetado e esperado pelo legislador, comprometer a colaboração dos devedores para o cumprimento de suas obrigações.
Gustavo Milaré é advogado, mestre e doutor em Direito Processual Civil